A Ria E O Moliceiro: Conhecer A Realidade - Do Passado Ao Presente

A necessidade de desenvolver uma identidade cultural distintiva de uma região de características únicas justifica-se pelo facto de os jovens residentes no Concelho de Estarreja e em municípios limítrofes se encontrarem integrados na área de abrangência da zona lagunar da Ria de Aveiro, uma ria que os influencia de forma especial, quer do ponto de vista de subsistência económica, quer da sua forma de viver e nos seus referentes socioculturais. Esta população permanente e jovem legitima ao Agrupamento de Escolas de Estarreja a intencionalidade de assumir uma autêntica cidadania cultural, associada à pluralidade das tradições e artes populares, na alegoria do orgulho de um território, como espaço de revivificação e afirmação da identidade regional, que, através das novas gerações, pretendemos projetar num quadro de valores onde os jovens se reconheçam, demonstrativo da sua história e cultura.

No âmbito do projeto Rotas & Intervenções Culturais (RIC), a última semana do mês de janeiro foi dedicada à celebração e valorização do património regional, com a Biblioteca da Escola Secundária de Estarreja a acolher duas ações de sensibilização afetas ao passado e ao presente – práticas culturais, arte tradicional, representações e simbologias assentes no ex-libris da Ria de Aveiro, o BARCO MOLICEIRO.

Na entrada da Biblioteca, uma notável réplica de um barco moliceiro, secundado por uma interessante serigrafia e canastra de sal, acolheram o visitante convidando-o a fazer um percurso ondulante, envolto numa rede de sonhos, assente numa exposição emoldurada por um ambiente marítimo, memória fortemente visual, vidas de gente marcada por uma existência nobre na pesca e na apanha do moliço - quantas histórias de persistência!, quantos braços e mãos calejados de remos e redes alimentaram e ainda alimentam vidas, vidas em suspenso de pescarias incertas, numa indomável força de vontade. Pescadores que, nos poucos barcos moliceiros ainda existentes, trazem a ria gravada nos seus corpos, que, despidos de medo, vagueiam no sonho do cais da memória.

Uma exposição com diversos elementos gráficos constitutivos (fotografias, postais, quadros, pinturas e bibliografia diversa - livros, catálogos e roteiros, …), que ao som de vários documentários sobre a faina dos apanhadores de moliço, a arte da pintura, algumas atrevidas na forma de expressão livre e de crítica social dos painéis que embelezam a proa e a ré de moliceiros, e várias entrevistas com os construtores e pintores sobreviventes, que determinou e marcou toda uma semana que ganhou vida, única para recordar e repetir.

Com o tema aglutinador “Abraçar Identidades: Moliceiros e Rabelos - Projeto de Intercâmbio do Património Cultural”, no âmbito do Projeto RIC, a prof.ª Inês Lousinha, de Educação Visual, dinamizou articulações curriculares com as turmas C, D e G do 7.º ano, disciplinas de Matemática e História, numa lógica de harmonização e interação de aquisição de conhecimentos, que irá permitir a colaboração com a Escola Secundária Dr. Joaquim Ferreira Alves, de Valadares. Neste enquadramento, na manhã do dia 27 de janeiro, os alunos das turmas envolvidas, bem como alguns alunos do 8.º ano, turma A, receberam a visita do Sr. Francisco Pereira, Coordenador da Estação Náutica da Murtosa, para uma palestra subordinada ao tema “O Barco Moliceiro – Coração da Ria, com a Ria no Coração”.

Tomando a arte na educação como uma linguagem inter/multicultural de relevante importância, o Diretor do Agrupamento de Escolas de Estarreja, prof. Jorge Ventura, feito da razão de ser do seu compromisso maior com a Escola, proferiu na abertura da sessão palavras baseadas no conhecimento e sensibilidade do seu olhar: […] Nós sabemos que não necessitamos do azul para representar o mar e a ria, podemos representá-los com outras tonalidades. A Arte é a forma de percorrermos o caminho que nós queremos para dar sentido à Escola, pensar e percorrer o percurso do concreto ao abstrato. Hoje, concretiza-se uma ação que dá sentido à Escola, que permite conhecer, pensar e ser capaz de pintar o mundo e a realidade com outras cores. […]

Olhar com os olhos do passado, tentando olhar com os olhos postos no futuro, Francisco Pereira ofereceu-nos, de seguida, uma extraordinária aula sobre a salvaguarda de valores do passado edificado nos valores de um património cultural de valor incalculável, uma pessoa imbuída de um conhecimento riquíssimo, suportado nas tradicionais técnicas de construção do barco moliceiro. Proteger e valorizar a arte tradicional de construção de barcos moliceiros foi a semente deixada, com o sentido de germinar e trazer de volta para as gerações vindouras os valores do passado, revitalizando a ria economicamente através da sua memória.

Os alunos, cativados pela atratividade do tema da palestra e dinâmica imposta pelo orador, tiveram um comportamento exemplar; sempre empenhados, colocaram questões e tiraram apontamentos. Mobilizando os conhecimentos adquiridos, os jovens alunos responderão depois aos múltiplos desafios propostos pelos seus professores, apresentando trabalhos em diferentes tipologias, que serão dados a conhecer à comunidade educativa. 

Com estas ações e outras já calendarizadas, sendo partilháveis e transmissíveis, pretendemos abrir caminho desenvolvendo o conhecimento através de novas aprendizagens, no apreço pelos valores das diferenças culturais e do diálogo entre culturas, a diversidade de vozes, de territórios e de recursos. A importância da arte e da cultura no palco da educação é a chave para formar, segundo a UNESCO, “gerações capazes de reinventar o mundo que herdaram, além de formar cidadãos tolerantes e dinâmicos”.

Para quem não teve oportunidade de assistir à palestra, fica a gravação editada pelo Gabinete de Comunicação do AEE, podendo ser acedida através do link https://youtu.be/z4lZ1j9xdaw.

Pela tentativa de reconhecimento da importância cultural e histórica do barco moliceiro por parte da UNESCO, os presentes na sessão tiveram conhecimento que foi concluída a primeira fase do processo de candidatura a Património Imaterial da Humanidade, uma distinção atribuída de dois em dois anos pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura), realizada pela Comunidade Intermunicipal da Região de Aveiro (CIRA).

Uma palavra de reconhecido apreço a todas as pessoas que contribuíram para a realização das duas ações perpetradas pelo núcleo de Rotas Intervenções Culturais do AEE, foram determinantes e constituíram um elo afetivo na cadeia da amizade que nos uniu e ligou:

  • Diretor do Agrupamento de Escolas de Estarreja, Dr. Jorge Ventura

  • Orador e Coordenador da Estação Náutica da Murtosa, Sr. Francisco Pereira

  • Membro do gab. de apoio à presidência e vereação da CME, Dr. Hilário Matos

  • Docente da ESE – Grupo de História, Dr. Rui Vidal

  • Docente da ESE – Grupo da Mecânica, Eng. Nuno Branco

  • Pescador Sr. Manuel Matos

  • Mestre e construtor de moliceiros Sr. José Rita

 

“A cultura é constituída pelo conjunto dos saberes, saber-fazer,
regras, normas, interdições, estratégias, crenças, ideias, valores,
mitos que se transmitem de geração em geração, reproduz-se em
cada individuo, controla a existência da sociedade e mantém a
complexidade psicológica e social”.

 (Edgar Morin, 2002: 61)

 

Prof.ª Rosário Santos

Coordenadora do Projeto Rotas & Intervenções Culturais

 

 

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